Concepções dos Alunos do Ensino Médio em Relação a Influência das Mulheres na História da Matemática

Matemática – CPAR

LIMA, C. S. [1]

RODRIGUES, T. D. [2]

Palavras-chave

História da Matemática; Mulheres; Exclusão; Educação Matemática.

1 Introdução

 A matemática é conhecida por seu formalismo, na qual praticamente todas as teorias que a compõe possuem uma respectiva demonstração e, quando não há, é definido como um axioma. Durante anos, tal ciência, maravilhosamente complexa, era vista como compreensível facilmente pelo sexo masculino, deixando as mulheres às sombras, marginalizadas por um sistema machista, pois estas dantes eram restringidas de tal conhecimento.

Neste contexto, falsas alegações foram sendo criadas e se moldando ao longo dos séculos, que geraram inúmeras consequências negativas durante o processo de desenvolvimento da matemática, entretanto, existiram bravas mulheres, que não aceitaram ser negadas e lutaram para terem seu direito respeitado, porém, infelizmente apenas uma pequena parcela obteve o reconhecimento através de registros históricos (póstumos), sendo que muitas sofreram drásticas consequências por terem vínculo com a matemática. Nascimento (2011) aponta que, “matou-se não apenas uma mulher, mas uma era fundamental da matemática, da Ciência e da História. Sendo este mais um exemplo da história da humanidade em que apagam um luminoso raio de luz para seguir as trevas.”

Atualmente, ainda vemos a ausência da mulher nos mais diversos campos de estudo, principalmente no estudo da matemática pura. A discriminação institucionalizada contra as mulheres continuou até as décadas atuais. No século XX, Emmy Noether, descrita por Einstein como “o mais significante gênio matemático criativo já produzido desde que as mulheres começaram a cursar os estudos superiores”, teve negado seu pedido para dar aulas na Universidade de Göttingen. (SINGH, 2005).

Este trabalho visa apresentar aos alunos da Escola Estadual José Garcia Leal, que cursam o Ensino Médio, um pouco da história dessas mulheres influentes na matemática, tendo como foque principal a história de Hipátia de Alexandria, reprodução de um filme que retrata o tema do estudo e aplicação de um questionário com a intenção de analisar a percepção dos alunos quanto a importante presença da mulher na formação da história da matemática.

2 Fundamentação Teórica

 

A História registrada, desde seus primórdios até os dias atuais, aponta-nos que o seu principal locutor consiste no homem branco ocidental. Em especial, considerando a história das mulheres, sua participação na construção do conhecimento matemático e, atuação acadêmica como um todo, foi excluída da história ‘’vencedora’’ (oficial) durante séculos.

A primeira obra mais detalhada sobre a participação e realização de mulheres na ciência foi Women in Science, escrita, em 1913, por H. J. Mozans (Leta, 2003). No entanto, como reforça Cavalari (2007), foi nas décadas de 1960 e 1970 que as mulheres iniciaram a busca sistemática pelo registro de sua participação na História. Neste período, o movimento feminista ganhou força, e consequentemente as mulheres passaram a perceberem-se sujeitos históricos.

Sobre o feminismo, Oliveira (2008, p. 230) afirma que consiste em ‘’um campo de estudo que trafega indubitavelmente entre o cotidiano macro e micro das mulheres e resgata a arte de dialogar para operar no processo de construção e desconstrução do conhecimento’’, buscando garantir o reconhecimento feminino em tal processo e afirmando a igualdade.

Neste contexto, a História das Mulheres como campo de estudos emerge, buscando incluir a mulher à história em seus múltiplos aspectos. Em consonância com este campo de estudo, Scott (1992) afirma que:

[…] A ameaça radical colocada pela história das mulheres situa-se exatamente neste tipo de desafio à historia estabelecida; as mulheres não podem ser adicionadas sem uma remodelação fundamental dos termos, padrões e suposições daquilo que passou para a história objetiva, neutra e universal no passado, porque esta visão da história incluía em sua própria definição de si mesma a exclusão das mulheres (p. 90).

 

Segundo Cavalari (2007), ‘’para a reescrita da história oficial sob nova perspectiva, eram necessárias reconceitualizações que, no entanto, nem mesmo os historiadores das mulheres estavam preparados para realizar’’ (p. 16). Deste fato, surge a necessidade da construção do conceito de Gênero, utilizado para teorizar a questão da diferença entre os sexos, como aponta a autora anteriormente citada. Para Scott (1988), ‘’gênero é tanto um elemento constitutivo das relações sociais, fundado sobre as diferenças percebidas entre os sexos, quanto uma maneira primária de significar relações de poder’’ (p. 26). Em relação ao pontapé inicial das movimentações feministas, considerando aspectos referentes ao conceito de gênero, Scott (2012) escreve que:

 

Nas primeiras articulações feministas, a noção de gênero como uma construção social teve como objetivo analisar a relação de mulheres e homens em termos de desigualdade e poder. A ideia foi que gênero aplicava-se a todos, que era um sistema de organização social, que não havia ninguém fora disso. Gênero era sobre mulheres e homens, sobre como os traços atribuídos para cada sexo justificavam os diferentes tratamentos que cada um recebia, como eles naturalizavam o que era fato social, econômico e desigualdades políticas, como eles condensavam variedades da feminilidade e masculinidade em um sistema binário, hierarquicamente arranjado. (p. 333).

 

Avançando no tempo, nos dias atuais é perceptível os avanços e contribuições dos movimentos sociais e feministas em prol da igualdade de gênero, porém, ainda há muitas ‘’lutas’’ a serem travadas para que a igualdade plena seja alcançada. Neste cenário, a Educação caracteriza-se como fundamental meio de enfrentamento das desigualdades de gênero (e muitas outras). Importantes autores da área educacional desenvolveram trabalhos que visam analisar os diversos processos de exclusão. Neste momento dar-se-á atenção as contribuições de Paulo Freire (1921-1997) ao tema em voga.

Dentre as obras de Freire, encontra-se Educação Como Prática da Liberdade (1967), Pedagogia do Oprimido (1970) e Pedagogia da Autonomia (1996), as quais dialogam com tema estudado.

 

  1. Mulheres Influentes na História da Matemática

 

3.1 Hipátia de Alexandria

 

Hipátia nasceu por volta de 370 d.C., em Alexandria, que nessa época, era uma das cidades mais belas e, era o centro científico e literário do mundo. Era filha de Teon de Alexandria, considerado um célebre astrônomo, matemático e filósofo, além de ser um dos homens mais educados da cidade. Ele trabalhava no Museum e ficou marcado por seus comentários descritos em onze livros sobre o Almagesto de Ptolomeu. Vale destacar que as edições mais modernas dos Elementos de Euclides baseiam-se em revisão do trabalho original feito por Teon, assistido por Hipátia.

Durante a infância de Hipátia, Teon sempre a incentivou e direcionou aos caminhos da filosofia, astronomia e da matemática, transmitindo-lhe seus conhecimentos e seu imenso desejo pelo pensar. Ela por sua vez, adquiriu tal inteligência, que as pessoas de outras cidades vinham até ela para estudar e aprender cada vez mais. Segundo Sócrates, o Escolástico (História Eclesiástica) “[…] fez tantas realizações em literatura e ciência que ultrapassou todos os filósofos de seu tempo.” Hipátia é inventora de alguns instrumentos utilizados na física (hidroscópico, higrômetro, etc.) e outros na astronomia (astrolábio e o planisfério).

Morta e lançada ao fogo, foi o fim de uma das principais filósofas da antiguidade, além de ser a primeira grande e brilhante mulher matemática da história, sendo equiparada a grandes matemáticos como Ptolomeu, Euclides, Diofanto, Apolônio e Hiparco. Somente a partir do século XVII surgiram outros registros de mulheres na história da matemática.

 

3.2 Émilie du Châtelet

 

Gabrielle Émilie le Tonnelier de Breteuil nasceu em Lunéville, Paris em 17 de dezembro de 1706. Atuou grandemente no campo da física e da matemática, sendo considerada uma cientista incrível. O secretário e apresentador de embaixadores Louis Nicolas le Tonnelier de Breteuil foi seu pai e sua mãe, Gabrielle Anne de Froulay (que foi criada em um convento) deram a ela a melhor educação que conseguiram e aos doze anos, Émilie já era fluente em alemão, grego, latim e italiano.

Depois de ter passado um tempo exilado por causa de suas ideias reformistas, Voltaire percebeu a importância de Émilie para se provar a teoria de Isaac Newton e que sem ela, ele não poderia comprovar, foi então que Émilie du Châtelet fez um excelente trabalho, em 180 páginas, que tornou-se a direção para os argumentos principais da teoria da gravidade de Isaac Newton com relação aos movimentos dos planetas.

Ela também reescreveu uns cálculos feitos anteriormente por Newton ao utilizar métodos desenvolvido por outro matemático, Gottfried Leibniz. Além disso, conquistou um de seus maiores feitos: sozinha desenvolveu importantes conceitos sobre a conservação de energia e a radiação infravermelha, decidindo então participar de um concurso na Academia de Paris, entretanto, não o ganhou, mas foi classificada como a primeira mulher a ter um artigo publicado na Academia de Paris. Foi considerada também, uma das primeiras lideres feministas de seu tempo. Logo depois de sua morte, em 1749, a sua científica reputação foi-se ao esquecimento, assim como de muitas outras mulheres influentes na história.

 

3.3 Maria Gaetana Agnesi

 

“Maria Gaetana Agnesi nasceu em Milão, em 16 de maio de 1718, para uma família rica e instruída ” [Osen, 39]. Seu pai era um comerciante muito rico casado com três esposas e Maria, era a irmã mais velha dentre 21 filhos. Desde muito pequena, era chamada de menina prodígio, pois aos cinco anos de idade já falava francês e aos nove já era fluente em latim, hebraico, grego, dentre outras línguas modernas.

A casa em que morava era um lugar de muita intelectualidade, e Agnesi envolvia-se de com convidados em filosóficas discussões abstratas e matemáticas nos seminários em que realizava. Participava de encontro domésticos para servir de agrado ao seu pai até o dia da morte de sua mãe, cuja ocasião, forneceu-lhe uma justificativa para isolar-se. Assumiu a gestão da família e estudos revelam que talvez esse pesado trabalho fosse umas das razões pelas quais ela nunca tenha se casado.

 

4 Metodologia

 

A estudo será realizado numa perspectiva qualitativa, de acordo com a definição de Garnica (2004). Buscando realizar investigações sobre a presença da história das mulheres que contribuíram para o desenvolvimento da matemática, presente nos livros didáticos do ensino fundamental e médio, será adotado a pesquisa bibliográfica como procedimento técnico para tal, que segundo Gil (2002),

é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas. (p. 44)

Para tal, serão analisados os seguintes livros e coleções: Matemática na Medida Certa (PNLD 2001), dos autores José Jakubovic e Marcelo Lellis, direcionado ao sexto ano do Ensino Fundamental; Praticando Matemática (PNDL 2005), dos autores Álvaro Andrini e Maria José Vasconcellos, direcionado ao oitavo ano do Ensino Fundamental; Vontade de Saber Matemática (PNDL 2014, 2015, 2016), dos autores Joamir Souza e Patricia Moreno Patado, direcionado ao oitavo ano do Ensino Fundamental; Matemática Hoje é Feita Assim (PNDL 2002), do autor Antonio José Lopes Bigode, direcionado ao oitavo ano do Ensino Fundamental; coleção Praticando Matemática (PNLD 2017, 2018, 2019), dos autores Álvaro Andrini e Maria José Vasconcellos, direcionado ao Ensino Fundamental; coleção Novo Olhar – Matemática, do autor Joamir Souza, direcionado ao Ensino Médio; volume 1 e 2 do livro Matemática – ciência e aplicações (manual do professor), de autoria de Iezzi et al, direcionado ao Ensino Médio e coleção Contado Matemática (PNLD 2018), dos autores Joamir Souza e Jacqueline Garcia, direcionado ao Ensino Médio.

O principal procedimento metodológico consiste na pesquisa-ação, pois a realização deste trabalho objetiva intervenções –  produção de materiais, formação crítica do professor em exercício e dos alunos, etc. – na escola onde será realizada a coleta de dados. Thiollent (1985) aponta que:

 

A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação da realidade a ser investigada estão envolvidos de modo cooperativo e participativo. (p. 14)

Será realizado na escola Escola Estadual José Garcia Leal uma atividade com os alunos do Ensino Médio, na qual auxiliará no levantamento de dados e no desenvolvimento deste trabalho. Para tal, a proposta de pesquisa será apresentada ao comitê de ética da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Paranaíba-MS, bem como para o responsável pela escola estadual citada e ao professor da mesma que participará da pesquisa.

 

5 Descrição da Atividade e Resultados

Inicialmente, a atividade era para ter sido aplicada juntamente com alunos do segundo ano do Ensino Médio, entretanto, como foi um dia chuvoso e, por conseguinte, poucos estudantes compareceram na aula, o professor juntou todas as salas do ensino médio acreditando que fosse “render” mais.

A primeira autora começou um diálogo com os alunos a respeito do que se trataria a atividade, logo em seguida, passou um filme (Estrelas Além do Tempo) para que os alunos assistissem e depois iniciassem um debate. Ao longo do filme, pode-se perceber que os alunos ficavam indignados com algumas cenas em que as personagens eram humilhadas por serem mulheres e negras.

Após o termino do filme, a pesquisadora iniciou um debate com os alunos a respeito do filme e também a respeito de outras mulheres (citadas anteriormente) que foram influentes em toda história da matemática.

Infelizmente, grande parte dos alunos não foram participativos, por estarem ansiosos para irem embora, apenas alguns alunos levaram realmente a sério o trabalho, apresentado e debateram com a primeira autora sobre suas concepções e conhecimentos a respeito do assunto proposto.

 

6 Considerações Finais

 

Durante o diálogo pós filme, notou-se que os alunos não conseguiram citar o nome de nenhuma matemática ou influente feminina da história das ciências. Este fato denota o quão pouco tem se dado atenção a igualdade de gênero nas ciências enquanto disciplinas escolares (comprovada pela revisão literária de livros didáticos da segunda metade do Ensino Fundamental e Ensino Médio), em particular a matemática, implicando na necessidade de uma formação de professores críticos e que contribuirão na busca por construir e reescrever uma história igualitária.

 

 

 

Referências

 

CAVALARI, M. F. A matemática é feminina? Um estudo histórico da presença da mulher em institutos de pesquisa em matemática do estado de São Paulo. 2007. 120f. Dissertação (Mestrado em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos filosóficos-científicos), Instituto de Geociências e ciências exatas. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- UNESP- Rio Claro.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

 

_________Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e. Terra, 1996.

 

_________ Pedagogia do Oprimido Rio de Janeiro: Edições Paz e Terra, 36.ª ed. 2003; 1.ª ed. 1970. 184 p.

 

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

LETA, J. As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso, Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 49, Set./Dec., 2003.

 

NASCIMENTO, J. B. Algumas Mulheres da História da Matemática. Reportagem: Novo Olhar Sobre a Matemática, Beira Rio, Ano XXVI Nº93, abril de 2011.

 

OLIVEIRA, Eleonora Menicucci de. O feminismo desconstruindo e re-construindo o conhecimento. Rev. Estud. Fem.,  Florianópolis ,  v. 16, n. 1, p. 229-245,  Apr.  2008 . Disponível em: < dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2008000100021 >. Acesso em 01 de out. de  2017.

 

SCOTT, J. Gender and the politics of history. New York: Columbia University Press. 1988.

 

______. História das Mulheres. In. BURK, P. (org.). A escrita da História: Novas

Perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP: 1992. p. 63 – 95.

 

______. Os usos e abusos do gênero. Projeto História, São Paulo, v. 45, n. 332, p. 327-351, dez. 2012.

 

SINGH, Simon. O último teorema de Fermat: A história do enigma que confundiu as maiores mentes do mundo durante 358 anos. Editora Record . 11. ed. Rio de Janeiro – São Paulo 2005.

 

THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. São Paulo: Cortez,1985.

 

 

[1] Graduanda em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Paranaíba. Integrante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). Email: carolinesouzalima.cl@gmail.com.

[2] Doutor em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Rio Claro/SP. Professor do Departamento de Matemática, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Paranaíba/MS. Endereço para correspondência: Av. Av. Pedro Pedrossian, 725, Bairro Universitário, Paranaíba/MS, CEP 79500000. E-mail: thiagodonda82@gmail.com.