Construindo quadriláteros: uma experiência com base no modelo de Van Hiele.

Matemática – CPAR

TORO, P. F. [1]

SILVA, F. C. P.1

LIMA, C. de S.1

BONFIM, S. H.²

Palavras-chave: Níveis de Van Hiele; Construção dos quadriláteros; Argolas.

  1. Introdução

O presente trabalho refere-se a uma atividade in turno, aplicada na Escola Estadual Gustavo Rodrigues da Silva, parceira do projeto PIBID/UFMS, nas duas turmas, A e B, do 1º ano de Ensino Médio. As turmas contam atualmente com o total de 42 alunos, sendo 21 estudantes da turma A e 21 estudantes da turma B. A título de informação, quanto às características demográficas das turmas temos 20 estudantes do sexo feminino, sendo 09 da turma A e 11 da turma B. Já em relação aos estudantes do sexo masculino, totaliza-se 22, divididos em 12 na turma A e 10 na turma B. Os estudantes das turmas possuem faixa etária de 14 a 19 anos, sendo 61,90% de 14 a 16 anos e 38,10% de 17 a 19 anos. As questões referentes aos rendimentos salariais de seu grupo familiar e a etnia dos estudantes não serão considerados para o desenvolvimento desta pesquisa.

Pensou-se nesta atividade como uma aula diferenciada proposta pela professora responsável pelas aulas de Matemática na escola de aplicação, juntamente conosco, alunos bolsistas, tendo como objetivo conhecer e estimular os conhecimentos dos alunos. Assim como destaca FRISON e SCHWARTZ:

[…] no contexto escolar o professor é o principal responsável pela articulação dos fatores que motivam o aluno a buscar, a pesquisar e a construir conhecimentos, pelo estímulo em tornar a aprendizagem dinâmica e inovadora. É função do professor, proporcionar ao aluno uma aula diferenciada, motivar o aluno, propiciar a aquisição de novos conhecimentos e saberes que vão além do que pode ser aprendizado na sala de aula (FRISION e SCHWARTZ, 2002, p. 123).

 

  1. Descrição da Atividade

Durante as reuniões semanais com o grupo do PIBID, o trabalho foi ganhando corpo através das contribuições da coordenadora, da professora supervisora e dos graduandos envolvidos. O mesmo consistiu na confecção de quadriláteros utilizando argolas de papel, apoiada da Teoria das Argolas apresentado no livro O Laboratório de Ensino de Matemática na Formação de Professores (2009), organizado por Sergio Lorenzato. Também foi e considerado os níveis de aprendizagem de Van Hiele, proposto no artigo de Marly L. Crowley, O modelo Van Hiele de desenvolvimento do pensamento geométrico.

A partir disso, fizemos um cronograma, considerando o plano de aula da professora supervisora, que também é responsável pela turma. Foi feita uma preparação com os alunos sobre o conteúdo antes da aplicação. A atividade teve como objetivo o estudo dos quadriláteros notáveis por meio da construção de material didático manipulável tais como produção, propriedades, inter-relações, segundo a teoria de Van Hiele.

Discutimos a forma de construção dos quadriláteros através do método das argolas e decidimos que a primeira figura seria o quadrado, para que este servisse como base e exemplo para as demais. Ao analisarmos a dimensão da atividade foi decidido dividi-la em três partes, a fim de associarmos exeqüibilidade e tempo de realização da tarefa com efetivo aprendizado dos alunos, nosso objetivo.

A primeira parte consistia em construir (utilizando a teoria das argolas) o quadrado, o retângulo e o losango. Nesta etapa, os alunos descreveram seus conhecimentos sobre cada quadrilátero e depois identificaram relações entre eles. Posterior a confecção, os alunos receberam três questões para serem respondidas individualmente. Por meio deste parâmetro avaliativo que se buscou identificar os níveis de Van Hiele em que eles se encontravam.

Foram proposta três questões abertas, onde os alunos descreveram todos os seus conhecimentos sobre os quadriláteros apresentados, sem a intervenção dos monitores ou da professora e teve duração de duas aulas (1h40min).

 

  1. Aportes Teóricos e Metodológicos

O modelo Van Hiele de desenvolvimento do pensamento geométrico surgiu a partir de trabalhos de doutorado do casal Dina van Hiele-Geldof e Pierre van Hiele, realizados na Universidade de Utretch. Quem finalizou, aperfeiçoou e promoveu a teoria foi Pierre, devido ao fato de Dina ter falecido. O modelo de desenvolvimento do pensamento geométrico consiste em cinco níveis de compreensão. De acordo com CROWLEY:

Nível 0 (nível básico): visualização

[…] Os conceitos de geometria são vistos como entidades totais, e não como entidades que têm componentes ou atributos. As figuras geométricas, por exemplo, são reconhecidas por sua forma como um todo, isto é, por sua aparência física, não por suas partes ou propriedades. […]

Nível 1: análise

Começa uma análise dos conceitos geométricos. Por exemplo, através da observação e da experimentação, os alunos começam a discernir as características das figuras. Surgem então propriedades que são utilizadas para conceituar classes de configurações. […]

Nível 2: dedução informal

Os alunos conseguem estabelecer inter-relações de propriedades dentro de figuras, quanto entre figuras. […] a inclusão de classes é compreendida. […] os alunos acompanham e formulam argumentos informais. […]

Nível 3: dedução

[…] São percebidos a inter-relação […] a pessoa é capaz de construir demonstrações, e não apenas de memorizá-las; enxerga a possibilidade de desenvolver uma demonstração de mais de uma maneira. […]

Nível 4: rigor

O aluno é capaz de trabalhar em vários sistemas axiomáticos, isto é, podem-se estudar geometrias não euclidianas e comparar sistemas diferentes. A geometria é vista no plano abstrato. […]

 

A pesquisa foi de cunho qualitativo. De acordo com definição de GARNICA (2004), que caracteriza pesquisa qualitativa como aquela que tem as seguintes características:

(a)a transitoriedade de seus resultados; (b) a impossibilidade de uma hipótese a priori, cujo objetivo da pesquisa será comprovar ou refutar; (c) a não neutralidade do pesquisador que, no processo interpretativo, vale-se de suas perspectivas e filtros vivenciais prévios dos quais não consegue se desvencilhar; (d) que a constituição de suas compreensões dá-se não como resultado, mas numa trajetória em que essas mesmas compreensões e também os meios de obtê-las podem ser (re)configuradas; e (e) a impossibilidade de estabelecer regulamentações, em procedimentos sistemáticos, prévios, estáticos e generalistas (GARNICA, 2004, p. 86).

 

Segundo esse entendimento, o principal procedimento metodológico para coleta de dados, consiste na pesquisa participante[2], pois os pesquisadores e os pesquisados interagiram durante a atividade, bem como houve a participação do professor supervisor do PIBID durante as mesmas.

Esta metodologia baseia-se na filosofia da práxis[3] e busca entender o homem em sua totalidade, crendo em suas potencialidades e competência de criar e transformar sua própria realidade (GRAMSCI, 1978).

Além do procedimento metodológico utilizado, o trabalho buscou distanciar-se da aprendizagem mecânica que, de acordo com a literatura, está ligada a memorização e não ao aprendizado significativo.

 

  1. Análise.

Para que a análise dos resultados obtidos fique mais claro, devemos constar que no dia em que a atividade foi aplicada, 6 (seis) alunos do 1º ano A e 1 (um) aluno do 1º ano B estavam ausentes.

 

Fonte: Própria pesquisa.
Figura 01 – Dados referentes ao quadrado.

 

Para este quadrilátero, as porcentagens do gráfico acima mostram que, no primeiro ano A, foram observados 2 (dois) alunos no nível zero, 8 (oito) alunos no nível um e 1 (um) aluno no nível dois. Já no primeiro ano B, observamos 1 (um) aluno no nível zero, 17 (dezessete) alunos no nível um e 3 (três) alunos no nível dois. Nenhum aluno atingiu o nível três neste quadrilátero. Algumas respostas dos alunos, retiradas da folha de respostas da atividade.

“Quadrado é quadrado. Tem ângulos de 90º.” – Nível 0

 

“O quadrado tem 4 lados, são iguais cada lado do quadrado tem 90 graus.” – Nível 1

 

“É um quadrilátero, que tem todos os lados iguais. Todos os ângulos são de 90º são opostos e iguais. Todos os lados opostos são paralelos. Se traçarmos uma reta diagonal vai originar dois triângulos (isósceles).” – Nível 2

Fonte: Própria pesquisa.
Figura 02 – Dados referentes ao retângulo.

 

No tocante aos dados obtidos do retângulo, as porcentagens do gráfico acima mostram

que no primeiro ano A, foram observados 6 (seis) alunos no nível zero, 3 (três) alunos no nível um  e 2 (dois) alunos no nível dois. Já no primeiro ano B, observamos 2 (dois) alunos no nível zero, 15 (quinze) alunos no nível um e 4 (quatro) alunos no nível dois. Nenhum aluno atingiu o nível três neste quadrilátero. Algumas respostas dos alunos, retiradas da folha de respostas da atividade.

“Os lados não são iguais, quatro lados.” – Nível 0

 

“É um ângulo de 90º, o lado de cima e o de baixo são iguais e o lado direito e esquerdo é igual. Portanto nem todos os lados são iguais. É um quadrilátero.” – Nível 1

 

“O retângulo tem 2 lados iguais e dois lados diferentes, ele possui os quatro cantos iguais todos de 90º, que é ângulo reto. Ele também tem 4 lados e se traçarmos duas retas dentro, de uma ponta a outra as retas serão diferentes e se encontrarão no meio do retângulo.” – Nível 2

 

Figura 03 – Dados referentes ao Losango.
Fonte: Própria pesquisa.

 

Por fim, as porcentagens do gráfico acima mostram dados referentes ao último quadrilátero  trabalhado, o losango. No primeiro ano A, foram observados 2 (dois) alunos no nível zero, 6 (seis) alunos no nível um  e 3 (três) alunos no nível dois. Já no primeiro ano B, observamos 5 (cinco) alunos no nível zero, 12 (doze) alunos no nível um, 3 (três) alunos no nível dois e 1 (um) aluno no nível três. Algumas respostas dos alunos, retiradas da folha de respostas da atividade.

“Losango é losango.” – Nível 0

 

“Um losango possui todos os lados iguais, lados opostos iguais e paralelos.” – Nível 1

 

“É um quadrilátero, que tem os lados perpendiculares, mas não são iguais e não tem 90º. Se traçarmos uma reta ao meio, se originará dois triângulos eqüiláteros.” – Nível 2

 

“O losango tem 4 lados iguais, mas os ângulos são diferentes. Como ele tem dois ângulos agudos e dois ângulos obtusos, se traçarmos uma reta no meio, ela será uma diferente da outra. O quadrado é um losango porque o losango tem lados iguais como o quadrado. Se traçarmos uma reta no meio dele, formará dois triângulos iguais.” – Nível 3

 

Através da análise dos relatos, podemos dizer, de maneira geral, que a sala encontra-se no nível 1 da teoria de Van Hiele, ou seja, eles são capazes de analisar os conceitos geométricos, todavia usam uma linguagem informal para conceituar cada quadrilátero. Notamos também que muitos alunos atingiram níveis diferentes em cada quadrilátero e o motivo da ocorrência desse fato encontra-se ainda em fase de análise e estudo na pesquisa.

 

  1. Primeiras conclusões

Após a aplicação, esta atividade deixou clara a importância da metodologia utilizada pelo professor, em suas aulas de geometria. Muitos alunos se sentiram pressionados ao nos ver na sala de aula no dia da realização da atividade, pois estão acostumados a fazer todas as atividades “valendo nota”. Tivemos casos de alunos que até tentaram pesquisar as respostas na Internet. Isso pode ser resultado de práticas pedagógicas de professores autoritários que eles já tiveram, professores estes que visavam nota acima de tudo.

Ainda sobre a metodologia do professor, outro ponto a ser destacado é a importância de métodos em que os alunos não memorizem o conteúdo. Os alunos analisados relataram indícios de memorização das formas geométricas, todavia não saibam suas propriedades.

 

  1. Referências

CROWLEY, M. L. O modelo Van Hiele de desenvolvimento do pensamento geométrico. In: SHULTE – LINDSQUIST (Org.). Aprendendo e Ensinando Geometria. São Paulo: Atual, 1994. p.1 – 19.

 

FARIA, W. de. Aprendizagem e planejamento de ensino. São Paulo: Ática, 1989.

 

FRISON, L. M. B.; SCHWARTZ, S. Motivação e aprendizagem: avanços na prática pedagógica. Ciência e Letras, Porto Alegre, n.32, p.117-131, 2002.

 

GARNICA, A. V. M. História Oral e Educação Matemática. In: BORBA – ARAÚJO (Org.). Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p.77 – 98.

 

GRAMSCI, A. Introdução à filosofia da práxis. Lisboa: Antídoto, 1978.

 

GRAMSCI, A. Quaderni del cárcere. Edição crítica de Valentino Gerratana. Torino: Einaudi, 1975.

 

LORENZATO, S. (Org). O Laboratório de Ensino de Matemática na Formação de Professores. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2009.

 

SEMERARO, G. Filosofia da práxis e (neo)pragmatismo. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 29, p. 28-39, 2005.

 

[1] Graduando em Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Paranaíba. Integrante do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). E-mail:

Paulo Felipe Toro: pauloftoro@gmail.com; Fernanda Carolina Pereira da Silva : fernanda2635@gmail.com; Caroline de Souza Lima: carolinesouzalima.cl@gmail.com;

² Orientadora do trabalho. E-mail: sabrina_helenabonfim@yahoo.com.br

[2] Através deste procedimento metodológico, a pesquisa é realizada juntamente com pesquisados, que participam em todo o processo, o que os tornam “sujeitos” de pesquisa e não ‘’objetos’’ de pesquisa.

[3]   Segundo Antonio Gramsci, citado por Semeraro (2005),  “filosofia da práxis é a atividade teórico-política e histórico-social dos grupos “subalternos” que procuram desenvolver uma visão de mundo global e um programa preciso de ação dentro do contexto em que vivem, com os meios que têm à disposição, visando a construir um projeto hegemônico alternativo de sociedade’’ (GRAMSCI apud SEMERARO, 2005, p. 30).