EU, CAÇADOR DE MIM PROFESSOR: uma construção identitária

Letras/Espanhol – CPAQ

SANTOS, A. J.

FONSECA, J. Z. B.

O presente trabalho tem por objetivo investigar o processo de construção identitária levado a efeito pelas primeiras experiências de professores de português em formação com a docência. Fundamenta-se nas experiências e resultados obtidos nas oficinas do Projeto Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) Letras Português e Espanhol da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) Campus de Aquidauana (CPAQ), no qual eu, e outros 20 acadêmicos, damos os primeiros passos rumo à vida profissional. Por meio do projeto PIBID, os acadêmicos tiveram oportunidade de ministrar aulas neste ano, no período matutino, aos alunos do 3° ano do ensino médio, na Escola Estadual Deputado Carlos Souza Medeiros, parceira do projeto, apresentando as estruturas e as características dos gêneros jornalísticos. Nesse projeto, os pibidianos que participavam do grupo planejador tinha a função de elaborar o plano de aula e apresentá-lo para os demais pibidianos, logo em seguida, era escolhido a dupla que iria ministrar a aula seguinte na escola, e juntamente com o grupo planejador, adequavam e finalizavam o plano de aula. Já na escola, a dupla de pibidianos ministrava as aulas, enquanto os outros pibidianos os auxiliavam e também assistiam os alunos da escola. Ao final da aula, os professores coordenadores, os professores supervisores e os pibidianos realizavam uma roda de conversa, a fim de apontar os pontos positivos e os que poderiam ser melhorados, toda essa interação era gravada em vídeo. Diante das várias subjetividades possíveis de ser encontradas nesse projeto de formação de professores, tocou-me o incômodo de encontrar comigo mesmo em meio a tantas formas de pensar e de agir profissionalmente. Logo, veio-me a pergunta: por que não tornar os meus questionamentos sobre o meu próprio agir em sala de aula objeto de pesquisa? E o que esse agir revelaria a respeito da minha construção identitária? Como o agir dos outros influenciaria e até regularia o meu próprio agir? A fim de elucidar esses questionamentos, realizei uma pesquisa qualitativa, e por meio do estudo autoetnográfico investiguei a minha própria prática, já que o sujeito dessa investigação é o próprio pesquisador. Para Ono (2017, p 22) apud Reed-Hanay (1997) “a autoetnografia é entendida como uma possibilidade de narração do self […]”. Fonseca (2015) argumenta que uma pessoa dotada de self “é reflexiva e crítica, podendo assumir, em suas interações, posições divergentes do seu grupo.” (FONSECA, 2015, p. 52). Dessa maneira, o self permite a manifestação consciente da experiência do indivíduo em sociedade, e ainda o possibilita tomar as suas próprias interpretações. Para Mead, a construção do self é a consonância entre o eu e o mim, como aponta Zanatta, “O eu representa a consciência espontânea da individualidade. Já o mim representa a parte da individualidade que foi configurada ou moldada pela sociedade.” (ZANATTA, 2011, p. 44). Diante disso, percebe-se que “A autoetnografia permite o envolvimento do pesquisador, assim como a narrativa dos seus pensamentos e suas opiniões reflexivas.” (ELLIS; BOCHNER, 2000 apud KOCK; GODOI; LANZI, 2012, p. 95). Sendo assim, “a autoetnografia é uma forma de autonarrativa, ou seja, o si-mesmo no interior de um determinado contexto social.” (REED-DANAHAY, 1997 apud BOSSLE; NETO, 2009, p. 133). Por meio deste estudo de natureza autoetnográfica é admissível analisar minhas próprias vivências em determinado contexto social, e dessa forma, possibilita-me descrever o que vivi, senti, aprendi e fiz durante o processo da minha formação como professor. Para que fosse possível analisar esse processo, busquei em Clot (2010) e Faïta (2002) conceitos e métodos de observação e geração de dados sobre o agir, baseados na Clínica da Atividade. E também na área do Interacionismo Sociodiscursivo (AMINGUES, 2004; BRONCKART, 2003 apud BRASILEIRO, 2011), cujo interesse tem se definido nos estudos acerca do trabalho docente. Observa-se que “A associação entre essas duas áreas se faz coerente, pelo fato de ambas terem em comum a ancoragem epistemológica nos fatores de desenvolvimento humano de Vygotsky e na dialogia bakhtiniana” (BRASILEIRO, 2011, p. 207), e por empregarem a metodologia de autoconfrontação para coletar e analisar os dados. Nessas concepções, foi realizado a analise dos dados, composto pelo estudo dos discursos emergentes das transcrições de quatro cenas que eu selecionei a partir da gravação em vídeo da aula que foi ministrada por mim e outra acadêmica pibidiana, também, dos comentários dos participantes do projeto sobre o nosso agir na sala de aula, inclusive, da entrevista de autoconfrontação cruzada, que contribui para que eu pudesse compreender o meu próprio agir e ainda o processo da minha construção identitária enquanto professor em formação. Esse percurso metodológico de pesquisa (Autoetnografia + Autoconfrontação) contribui para que o pesquisador/objeto analise e fale de sua própria experiência e possa ainda refletir sobre a construção da sua identidade, neste caso especifico a construção da identidade docente. Assim sendo, o exercício da docência permitiu-me vivenciar o ambiente da sala de aula, onde pude executar o que foi prescrito, e se deparar com o que foi realizado de fato, e perceber o que de real foi possível aplicar em relação ao plano de aula, e se meu agir contribuiu ou não para os objetivos almejados. Nesse aspecto a autoconfrontação possibilitou-me, como futuro professor, refletir sobre o meu trabalho, especificamente sobre o meu agir em sala de aula. Portanto, investigar a construção identitária docente, a partir de um processo dialógico e autorreflexivo, a cerca das minhas percepções e das percepções dos outros sobre as minhas intenções, modificações, e do meu agir em sala de aula, tem uma grande valia, pois revelará um eu profissional.

 

Palavras-chave:

Construção identitária docente; Pibid; Autoetnografia; Autoconfrontação.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASILEIRO, A. M. M. A autoconfrontação simples aplicada à formação de docentes em situação de trabalho. Scripta, Belo Horizonte, v. 15, n. 28, p. 205-224, 1. sem. 2011.

 

BOSSLE, F.; NETO, V. M. No “Olho do Furação”: uma autoetnografia em uma escola da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 31, n. 1, p. 131-146, set. 2009.

 

CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: Fabrefactum, p. 117-258, 2010.

 

FONSECA, J. Z. B. Aula de língua portuguesa – representações e identidades no agir docente. 184 f. Tese (Doutorado). – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Programa de Pós-Graduação em Letras, p. 20-84, 2015.

 

KOCK, F. K.; GODOI, C. K.; LENZI, F. C. Discussão e prática da autoetnografia: um estudo sobre aprendizagem organizacional em uma situação de catástrofe. Rev. Gestão Organizacional, v. 5, n. 1, p. 93-106, jan/jun. 2002.

 

ONO, F. T. P. A formação do formador de professores: uma pesquisa autoetnográfica na área de língua inglesa. 156 f. Tese (Doutorado). – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Programa de Pós-Graduação em Letras, p. 35-71, 2017.

 

ZANATTA, M. S. Nas teias da identidade: contribuições para a discussão do conceito de identidade na teoria sociológica. Perspectiva, Erechim, v. 35, n. 132, p. 41-54, dez. 2011.